Um conto de terror antes de um livro é muito bom para assombrar os pensamentos…
Um conto de terror antes de um livro é muito bom para assombrar os pensamentos…
Madame Tormenta rebenta de solo fértil, rico em imagens e cores. Tudo para expressar o mundo maravilhoso dos aniversários, em especial de Augusto Feres, sexta-feira, dia 24 de agosto, no Bar Convés.
A fala das realidades ocultas atrás das coisas visíveis, das entranhas do invisível, das forças que movem nosso mundo fabuloso.
Texto: Tiro de Misericórdia, de João Bosco.
beans scene – Tommy The Movie
Era uma vez uma menina de cabelos cor de fogo muito graciosa e boa com as pessoas. Ela era feliz, pois via beleza em tudo, até nas coisas mais corriqueiras.
Você sabe o que são coisas corriqueiras?… O revoar de uma borboleta, o sol se pondo no horizonte, um filhotinho, uma flor abrindo, um sorriso de mãe…
Morava com a mãe de olhos amendoados numa cidadezinha distante… Sua vida seria perfeita se elas não fossem tão pobrinhas, às vezes ela e a mãe de olhos amendoados passavam fome. Comiam farinha com óleo para distrair a vontade. No inverno, era sopa de jornal em água morna, tudo para saciar o estômago vazio. No verão, a mãe de olhos amendoados inventava um jogo bem divertido que transformava a fome em brincadeira. Sempre tentando fazer a filha esquecer um pouco.
“Filha, quem trouxer mais frutas da floresta ganha.” É! Esqueci de dizer que moravam perto de uma linda floresta cheia de árvores frondosas e campos floridos. A menina de cabelos cor de fogo saia felicíssima na corrida pelas frutas, conseguia amoras, pitangas, mangas, jambo…
Um dia foi jogar o jogo da caça as frutas – assim denominaram a brincadeira – mas andou andou andou e nada encontrou. A barriga roncava que nem relincho de cavalo velho. Sentou-se tristinha numa pedra preta e fria…
De repente surgiu uma moça muito bonita e também bem diferente. Ela era rosa com cabelos gigantescos repletos de flores e galhos, parecia uma fada. A menina de cabelos cor de fogo nem estranhou tanto, pois achou que delirava de fome, estava meio confusa…
O que te aflige boa menina? Perguntou a moça da floresta.
Não é nada, estou só descansando.
Tenho um presente para você.
A menina de cabelos cor de fogo estranhou, elas nem se conheciam, como poderia ter um presente para ela. E além do mais, a mãe de olhos amendoados sempre dizia para ela não aceitar coisas de estranhos… Se bem que a moça da floresta parecia tão legal… estranha… mas legal.
…É uma panela. Continuou a moça da floresta.
Uma panela? Perguntou a menina de cabelos cor de fogo com cara de espantada.
Sim! Uma panela muito especial. É uma panela mágica. Sempre que sentir fome, você diz as palavras mágicas: cozinha panelinha, cozinha panelinha! E irá provar o mingau mais fantástico e saboroso do mundo! Com aroma e sabor que você nunca experimentou.
É só dizer cozinha panelinha e a panela cozinha? Perguntou a menina de cabelos cor de fogo descrente arqueando as sobrancelhas.
Você deve dizer duas vezes: cozinha panelinha, cozinha panelinha! E o míngua irá surgir. E para parar o cozimento diga as palavras mágicas: cessar panelinha, cessar panelinha! Lembre-se: para a panelinha parar de cozinhar você tem que dizer: cessar panelinha, cessar panelinha!
A menina de cabelos cor de fogo aceitou o presente. Despediu-se ainda achando que a moça da floresta estava só brincando com ela, parecia era meio doidinha. Contudo, assim que chegou em casa correu para a cozinha e colou a panela no fogão.
Cozinha panelinha, cozinha panelinha!
A panela começou a trepidar. A menina de cabelos cor de fogo arregalou os olhos com medo de o troço explodir. Percebeu que do fundo da panela brotava um mingau denso e com um aroma impressionante que ela nunca sentira. Quando o mingau estava quase no topo da panela, ela disse: cessar panelinha, cessar panelinha! E a panela parou no instante. A menina de cabelos cor de fogo ficou pulando eufórica e correu para contar para sua mãe de olhos amendoados. As duas provaram o melhor mingau do mundo, com um sabor que não dá para descrever com palavras. Mas as expressões de satisfação, de prazer e completude, essas sim. Durante um bom tempo viveram contentes com sua panelinha.
Uma bela manhã, a menina de cabelos cor de fogo tinha ido para a escola. A mãe de olhos amendoados ia receber em casa umas comadres. Pensou em fazer o maravilhoso mingau para as visitas. Colocou a panela em cima do fogão e disse as palavras mágicas: cozinha panelinha, cozinha panelinha! E a panela começou a trepidar e do fundo da panela brotou o mingau com aquele aroma impressionante que dava vontade de comer tudo sozinha. Quando o mingau estava quase no topo da panela, a mãe de olhos amendoados disse: para panelinha, para panelinha! … Mas a panela não parou. O mingau transbordou e começou a sujar o fogão todo. A mulher ficou nervosa e disse: chega panelinha, chega panelinha! E o mingau escorreu pelo fogão encontrando o chão. A mãe de olhos amendoados deu um passo para trás vendo aquilo estarrecida. O mingau envolveu todo o chão feito um tapete e rapidamente já alcançava a canela da mulher. Ela repetia: chega panelinha, chega panelinha! E nada acontecia. Ela subiu na mesa e quando o mingau estava com mais de um metro de altura já mingauzando tudo. Ela disse chorosa: pelo amor de deus panelinha, pelo amor de deus panelinha! O mingau continuou subindo, alcançou seus pés, joelhos, cintura… não faz isso comigo panelinha, não faz isso comigo panelinha! Subindo subindo glub glub glub… A mãe de olhos amendoados sumiu.
O mingau continuou se espalhando pela casa inteira, saiu pelas janelas e ligeiramente transformou a rua num rio denso e cheiroso. As pessoas desesperadas. Em pouco tempo o bairro era uma lagoa de mingau, um oceano… tinha gente nadando no mingau, velejando no mingau, botes, coletes salva-vidas, tinha até gente pegando onda na crista do mingau… até jet ski eu vi passar… no mingau.
A menina de cabelos cor de fogo que estava do outro lado da cidade copiando o exercício do quadro negro, começou a sentir aquele aroma. O aroma que só ela reconheceria. Da janela farejou ainda mais forte. Correu para o portão da escola e avistou no fim da rua, uma tsunami de mingau… Ih!
A onda já estava alcançando a escola e a menina de cabelos cor de fogo teve uma idéia, correu para o terraço, prendeu a cabeleira, se preparou e… tibum, mergulhou no oceano de mingau. E foi nadando crau nadando nadando nadando, no meio mudou o estilo porque era longe para cacete, nadou nadou nadou…
Finalmente chegou a sua casa, já muito cansada, não estava tão em forma para nadar no mingau. A janela era uma verdadeira cachoeira. Tomou fôlego e mergulhou fundo, foi tateando, conseguiu entrar pela janela da cozinha, encontrar a panela e com muita dificuldade disse:
Cessar panelinha, cessar panelinha!…
E a panela parou! Demorou algum tempo para as coisas voltarem ao normal. Dizem que a menina ficou famosa na cidade em que as pessoas precisavam abrir caminho comendo mingau para sair de casa. A menina e a mãe enjoaram de mingau por um tempo, mas só por um tempinho… porque a panelinha… a panelinha ainda treme.
Essa é uma história que minha avó sempre me contava. Vou tentar contar como ela fazia: “minha filha, não tem mistério mais impressionante, maior no mundo, coisa mais fascinante, tesouro mais difícil de encontrar… do que um guarda-chuva. Essa história é boa pra dias de chuva… e pra dias sem chuva também, porque se a gente pensar, um guarda-chuva mesmo, não guarda a chuva, que, na verdade, sai pingando e escorrega por chão, não é mesmo?
A contadora de história Thatiana Verthein, na verdade, Madame Tormenta Furtacor apresentará dois contos em outubro, dia 26, às 14h, e dia 27, às 15h30, na Biblioteca Pública de Niterói (BPN), espaço cultural da Secretaria de Estado de Cultura. O mito de Eros e Psique faz parte da viagem ao universo lúdico do imaginário de Madame Tormenta. A proposta é uma releitura da lenda grega que descreve o despertar da alma para o amor até o nascimento da volúpia, fruto da união dos dois. O ato de narrar histórias é um processo criativo, a construção de um conhecimento que se tece no mundo sensível, na experimentação, nos agenciamentos dos corpos e nos devires. A artista utiliza a performance-narrativa como exemplo de dispositivo transformador na realidade de um corpo, capaz de desnaturalizar o instituído, apostando na abertura para outros movimentos possíveis ainda não explorados.
assustei-me com o tamanho da sombra que projetou-se na parede. era obscura com proporções de figura mitológica
a garganta rachava como se fosse o chão rubro do sertão, rachava em cruzes diagonais
pontiagudas
felinamente em brasa
a ardência do seco, do ressecado
o desespero do mal-estar físico apoderava-se do meu corpo
tremia naquele absurdo de não saber exatamente aonde estava
navio de pedra outrora fantasma, vagando indeciso, em marés de chocolate tão sujas mais tão sujas, que de chocolate o petróleo subia aos olhos
de quem vê e de quem sente
animais cristalizados sem saber a qual tempo pertencem, porque no fundo daquele mar não pertencem a nenhum lugar, não-lugar… quem sabe?
continuo vagando e o vento assovia a aurora, que chega inútil, infantil, obsoleta
esqueceu-se que há muitas décadas perguntou: e quem vai lembrar de mim? Ah sim! estão vendendo encaixotada ou em lata,
ai fica mais barato.
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BARANGANDÃO tornou-se um instrumento crucial para realização do ritual de iniciação das mulheres, que antes, moças entorpecidas de palavras engravidadas de suas estórias, soltavam o corpo aquecido pela vontade, desejo, necessidade de fazer-se ouvir e compartilhar.
(Adaptação da lenda do brinquedo folclórico)
Senta que lá vem a história!
Amigos indecisos felizes penitentes animados desesperados…
Venham ouvir as histórias da Madame Tormenta Furtacor e descobrir os seus mistérios mais profundos!
Quando? 19 & 26 de maio de 2011
Quem? Thatiana Verthein e cia iltda.
Onde? Conversa Fiada Botequim – praia de São Francisco, ao lado do shopping Lido, Niterói.
… mas cuidado! ela é uma vilã, ela pode te atormentar (hahahhahahahhahahahahahahahaahhahaha)
transbordar num universo lúdico de cores e sons inusitados… se bem que o bom mesmo é falar da vida alheia
Choveu como eu nunca tinha visto antes. O céu enegreceu num estalo, sinfonia única. A parede densa e molhada apontava para nossa direção. Roupas voavam do varal, árvores envergavam torturadas por gotas imensas e trovões, trovões iludiam o desabar do mundo… muito medo, um medo sórdido, catatônico, diferente, escorregadio de estranheza
Mudamos as coisas de um lugar para outro umas cem vezes, tudo encharcava ou molhava, sem jeito. Vivíamos um tempo insólito, não sabíamos há quanto tempo chovia, nem prevíamos quando pararia, se é que… a água evaporava indiferente a qualquer súplica, mantinha-se cíclica, impiedosa. Nuvens rebolando no céu em densos panos pretos acinzentados, talvez estivessem cansadas de serem nuvens simplesmente. Foi tudo tão rápido que durou uma eternidade; o rio, a transformação, a turgidez insolúvel das águas, a desilusão dos cantos perdidos… um mar de pernas pro ar… a única coisa que sabíamos era que devíamos segurar a estrutura da casa.
Na estiagem, a floresta assumiu um verde novo, reluzente, quase uma barbaridade. Os passarinhos cantavam assustados o milagre da vida. O canto de guerra, como se quisessem defender seus ninhos. Ninhos construídos pela paciência do operário que sai em busca de cada fiapinho, agregando-os um a um, em trabalho árduo, saborosamente sem fim… Observávamos. Na ânsia de vê-lo terminar sua casa